Mãe, eu quero ir-me embora - a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram -
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.
Mãe, eu quero ir-me embora - os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim - tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.
Mãe, eu quero ir-me embora - nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique -
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.
Mãe, eu vou-me embora - esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua - a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste que um dia chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.
Maria do Rosário Pedreira, Poesia reunida, pág.111
Quetzal
Poeta e Rapariga
Júlio
Olá Isabel,
ResponderEliminarO amor nem sempre é aquilo que sonhamos....porque não sonhamos a vida.
Beijinhos
Pois não JP, mas não vale a pena lamentar o que não temos. Nada nos garante que seríamos mais felizes, não é?
EliminarEste é um poema triste, mas é bonito.
Um beijinho, JP.
É de uma tristeza quase impúdica, como alguém que se despe. Arrepia, porque há gente assim, e deve ser duríssimo.
ResponderEliminarQue tenhas uma feliz semana! Beijinhos
É triste e é verdade. Há gente assim, que não consegue sair dessa desilusão.
EliminarEu gostei muito do poema.
Um beijinho e uma feliz semana para ti também. Continuas "mal de tempo"? (agora já sei!)
Um poema muito sofrido, muito dorido mesmo, que retrata
ResponderEliminaruma realidade que algumas mulheres atravessam.
Muito bem escrito.
Beijinhos Isabel.
Irene Alves
Penso que nunca tinha lido nada desta escritora. Comprei este livro há dias e gostei do pouco que li.
EliminarHei-de colocar aqui outros poemas.
Um beijinho
É um poema muito triste que até comove. Há pessoas muito angustiadas e desiludidas com a vida, porque ela não lhes proporcionou nada de bom, o que deve ser uma grande derrota na existência de cada um.
ResponderEliminarQue esta semana lhe traga muita alegria.
Um beijinho
É verdade, Maria Eduardo
Eliminarmas às vezes penso que muitas pessoas também são angustiadas e desiludidas, mas não tentam mudar.
Na vida creio que todos temos as nossas mágoas, os nossos desgostos e mesmo assim uns continuam a gostar da vida e outros não conseguem descobrir um pouco de felicidade, de alegria.
Cada um sente as coisas de maneira diferente, vê a vida de maneira diferente...
Um assunto que dava para uma grande conversa.
Obrigada e que a semana também lhe seja muito favorável, Maria Eduardo.
Um beijinho
Da Maria do Rosário Pedreira só li o primeiro livro e gostei. Lembro-me que era um livro triste.
ResponderEliminarGostei do seu post.
Esta antologia reune os poemas dos três livros de poesia que Maria do Rosário Pedreira tem publicados. À primeira vista, fiquei também com essa impressão: de que é um livro triste. Li pouco, mas gosto.
EliminarMuito obrigada Miss Tolstoi, por gostar.
Boa noite!
Muito obrigada por gostar do Post!
EliminarTão triste, mas tão bonito. :)
ResponderEliminarGosto muito da poesia da Maria do Rosário Pedreira.
Boa semana.
Olá Deep
Eliminarsó hoje me apercebi que não tinha respondido ao seu comentário. Provavelmente já não vai ver, mas...
Também acho a poesia de Maria do Rosário Pedreira muito bonita. Só agora descobri esta escritora.
Bom fim-de-semana (e peço desculpa)