segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Sobre o amor


Mãe, eu quero ir-me embora - a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram -
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.

Mãe, eu quero ir-me embora - os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim - tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.

Mãe, eu quero ir-me embora - nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique -
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.

Mãe, eu vou-me embora - esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua - a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste que um dia chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.


Maria do Rosário Pedreira, Poesia reunida, pág.111
Quetzal


 
Poeta e Rapariga
Júlio
                                                                          

13 comentários:

  1. Olá Isabel,
    O amor nem sempre é aquilo que sonhamos....porque não sonhamos a vida.

    Beijinhos

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    1. Pois não JP, mas não vale a pena lamentar o que não temos. Nada nos garante que seríamos mais felizes, não é?

      Este é um poema triste, mas é bonito.
      Um beijinho, JP.

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  2. É de uma tristeza quase impúdica, como alguém que se despe. Arrepia, porque há gente assim, e deve ser duríssimo.
    Que tenhas uma feliz semana! Beijinhos

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    1. É triste e é verdade. Há gente assim, que não consegue sair dessa desilusão.
      Eu gostei muito do poema.
      Um beijinho e uma feliz semana para ti também. Continuas "mal de tempo"? (agora já sei!)

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  3. Um poema muito sofrido, muito dorido mesmo, que retrata
    uma realidade que algumas mulheres atravessam.
    Muito bem escrito.
    Beijinhos Isabel.
    Irene Alves

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    1. Penso que nunca tinha lido nada desta escritora. Comprei este livro há dias e gostei do pouco que li.
      Hei-de colocar aqui outros poemas.

      Um beijinho

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  4. É um poema muito triste que até comove. Há pessoas muito angustiadas e desiludidas com a vida, porque ela não lhes proporcionou nada de bom, o que deve ser uma grande derrota na existência de cada um.
    Que esta semana lhe traga muita alegria.
    Um beijinho

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    1. É verdade, Maria Eduardo
      mas às vezes penso que muitas pessoas também são angustiadas e desiludidas, mas não tentam mudar.
      Na vida creio que todos temos as nossas mágoas, os nossos desgostos e mesmo assim uns continuam a gostar da vida e outros não conseguem descobrir um pouco de felicidade, de alegria.
      Cada um sente as coisas de maneira diferente, vê a vida de maneira diferente...
      Um assunto que dava para uma grande conversa.
      Obrigada e que a semana também lhe seja muito favorável, Maria Eduardo.
      Um beijinho

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  5. Da Maria do Rosário Pedreira só li o primeiro livro e gostei. Lembro-me que era um livro triste.
    Gostei do seu post.

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    1. Esta antologia reune os poemas dos três livros de poesia que Maria do Rosário Pedreira tem publicados. À primeira vista, fiquei também com essa impressão: de que é um livro triste. Li pouco, mas gosto.
      Muito obrigada Miss Tolstoi, por gostar.
      Boa noite!

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    2. Muito obrigada por gostar do Post!

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  6. Tão triste, mas tão bonito. :)

    Gosto muito da poesia da Maria do Rosário Pedreira.

    Boa semana.

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    1. Olá Deep
      só hoje me apercebi que não tinha respondido ao seu comentário. Provavelmente já não vai ver, mas...

      Também acho a poesia de Maria do Rosário Pedreira muito bonita. Só agora descobri esta escritora.

      Bom fim-de-semana (e peço desculpa)

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