Começa uma vida de Irene Lisboa ( João Falco )
Gostei muito deste livro de Irene Lisboa, em que a autora fala da sua infância, difícil e solitária.
Um livro muito belo, enriquecido com desenhos de Maria Keil Amaral.
"É um livro de cunho autobiográfico que reconstrói os primeiros anos de vida da autora (...). Seguimos os seus primeiros passos na escola, conhecemos os seus professores, familiares ou as figuras dominantes dessa época, que marcaram de algum modo a sua vida.
A obra tem um profundo eco intimista e através de uma história pessoal, mostra um exemplo de uma realidade portuguesa do começo do século XX, caracterizada pela decadência dos terratenentes e da burguesia hipócrita promovida pelo dinheiro a custo dos mais fracos." ( Retirado da Wikipédia )
"Nada disto obstou, nem podia obstar a que a doce Megila tivesse sido um fiel consôlo da minha meninice e depois disso uma lembrança terna. Nunca cheguei a ser dona da sua bela cómoda de pau prêto, do seu guarda-vestidos nem das suas jóias. Mas ficou-me a memória do seu pobre amor e do seu lugar ao pé de mim. Nisto de vidas, em que cada coisa tem sempre o seu lugar, já não é muito pouco." ( pág.27)
"Cada um de nós faz a história das pessoas e dos lugares a seu modo!" ( pág.35)
" Aquêle quinto andar parecia-me tão claro e tão alegre! O nosso segundo, em baixo, para o lado de trás sobretudo, era como um poço. Há certos acidentes físicos, como haver sol e não haver sol, ser dia e ser noite, que eu associo perfeitamente a quaisquer outros e que fico lembrando por muito tempo. Aquêle quinto andar para mim era uma representação do sol, do brilho da luz." ( pág. 41)
"Se eu hoje pintasse e não escrevesse (a literatura parece-me uma arte muito menos simbólica que a pintura), como representaria esta espécie de nebulosas mentais em que mais ou menos vivemos?
[...]
Que poder do espírito é êste que conserva umas impressões e elimina outras? E que as conserva sob formas que não são puramente sensoriais nem raciocinadas?
[...]
Parece-me que a linguagem se inclina abusivamente para a lógica e para a justificação. Que a falar nos recompomos e nos enfeitamos demais...Em suma, pintadas, tornadas plásticas, talvez que as nossas impressões e memórias resultassem mais sóbrias e mais nítidas que descritas." ( págs. 56/57 )
"Êste período da minha existência, que para mim tão decisivo foi, é que eu estimava saber bem descrever. Não o saberei! Ultrapassa-me, excede-me o entendimento naquilo que teve de misterioso e extraordinàriamente minaz. Eu era um ser indefeso e infantil; pouco sabia ver, só sabia sentir." (pág.134 )
( Nas citações retiradas do livro, manteve-se a ortografia utilizada nessa edição.)