Do décimo segundo volume da colecção 800 Anos de Literaturas em Português, um lindíssimo poema de Carlos Drummond de Andrade
Consôlo na Praia
Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas olhas o mar.
Não fizeste o livro perfeito.
Não leste os melhores livros
nem amaste bastante a música.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz baixa te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizaram,
Mas, e o humour?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
precipitar-te - de vez - nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme meu filho.
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