domingo, 20 de novembro de 2011

Um poema e uma música

Poema de Alberto Caeiro


Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.

E, olhando para mim viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.

(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu - não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto e ser infeliz.)

Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse entardecer
Não parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.

(Louvado seja Deus que não sou bom,
E tenho o egoísmo natural das flores
E dos rios que seguem o seu caminho
Preocupados sem o saber
Só com o florir e ir correndo.
É essa a única missão do Mundo,
Essa - existir claramente,
E saber fazê-lo sem pensar nisso. )

E o homem calara-se, olhando o poente.
Mas que tem com o poente quem odeia e ama?


Fernando Pessoa, Obra Poética, II Volume, pág.33
Círculo de Leitores




                                      Jorge Fernando, Boa noite solidão

                                                                         

10 comentários:

  1. Um poema terrível... Eu gosto muito de Alberto Caeiro.
    Mas poderemos ou quereremos ser como ele diz?

    "(Louvado seja Deus que não sou bom,
    E tenho o egoísmo natural das flores
    E dos rios que seguem o seu caminho
    Preocupados sem o saber
    Só com o florir e ir correndo.
    É essa a única missão do Mundo,
    Essa - existir claramente,
    E saber fazê-lo sem pensar nisso.)"

    Era bom? Não sei. Sei que tu não és assim e que essa vontade de se ser como as plantas não nos basta...
    Queremos fazer mais, claro, queremos sentir mais...
    Beijinho! Bom domingo!

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  2. Boa tarde Maria João
    ele se calhar estava a "fingir". Fingir querer ser apenas isso para não sentir mais nada, para não sofrer.
    Mas aquela simplicidade de que ele fala é ao mesmo tempo atraente.

    Mas também acho que não era bom...
    Queremos fazer mais, queremos sentir mais...
    ...queremos viver! Não é? Com todas as boas e más emoções que fazem parte da vida e nos fazem sentir vivos.

    Um beijinho grande e um bom domingo para si também. Hoje por aqui está sol.

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  3. Apesar de tudo, sentirmos vivos é essencial e lindo.

    bjs das 5

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  4. É sim queridas amigas.
    É para isso que cá estamos. As dores, como se costuma dizer, se não nos matam tornam-nos mais fortes, e as alegrias revitalizam-nos.
    Viver tudo intensamente é o lema.
    Tudo passa.

    5 beijinhos.

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  5. Muito obrigada Manuel.
    Um beijinho grande para si e um resto de Domingo tranquilo

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  6. Isabel,
    Lindo, palavra que resume tudo o que os meus sentidos retiraram daqui.
    Beijinhos. :)

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  7. Fico contente que tenhas gostado, Ana.
    Um beijinho grande e uma boa semana.

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  8. Fernando Pessoa era muito contraditório, mas tudo o que dizia tinha interesse e dava para pensar, às vezes até demais!
    Não há em toda a sua obra um verso que sobre, na minha opinião, claro...
    Hoje aqui saiu um lindo dia de sol,para compensar a tristeza do resultado eleitoral (para os que estamos tristes, claro...)
    Feliz semana, beijinhos

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  9. Olá Maria
    Pois é, uns ficam tristes e outros por lá estarão contentes. Sabes, eu continuo a ir votar, mas quase por obrigação, porque já não acredito nos políticos, ou pelo menos nos que temos tido nos últimos anos. Enfim, as coisas hão-de melhorar.
    Aqui esteve um dia mais ou menos, mas agora estava um ar pesado de querer chover. E ficou mais frio. A chuva faz falta, mas muitos dias seguidos de chuva deprimem-me um pouco. Gosto da chuva de vez em quando.

    Gosto muito do Fernando Pessoa. Não sou conhecedora como tu, mas o que vou lendo, gosto sempre. Tenho vários livros dele e estou sempre a descobrir coisas novas.

    Um beijinho grande e uma boa semana para ti também

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